quarta-feira, 13 de abril de 2011

Além do que se pode ver

Algumas relações me fazem sentir como um pássaro nascido em uma pequena ilha. Sempre fui cuidada e afagada por um tutor muito amoroso. Ele sempre me dizia que longe do meu ninho só existiam inimigos e tudo era muito perigoso. Apesar de eu já me sentir capaz de voar sozinha, eu não recebia permissão para sair, mas isso não me incomodava, afinal de contas, amor e cuidados não me faltavam. Quando eu sentia fome, lá vinha o meu tutor trazendo uma farta refeição. Vez ou outra eu esticava o pescoço e conseguia ver o que se passava ao meu redor. Achava tudo muito lindo, a ilha em que eu morava era esplendorosa, bela, encantadora, o meu tudo, o meu mundo.
Certo dia, pressentindo a minha fome se aproximar, meu tutor imediatamente voou a procura de alimento. Em sua ausência, uma forte tempestade atingiu o ninho onde eu estava e fui levada para bem longe até cair em cima de algumas pedras bastante íngremes. Sentia um frio horrendo e a fome me corroia por dentro. Tentei voar, mas a minha primeira tentativa foi um fracasso total, tentei a segunda, terceira, quarta vez, mas o vento forte me impedia de voar. Depois de várias tentativas, sentindo a irracionalidade da morte se aproximar, já cansada e muito ferida, eu chamei por socorro e esperei ser ouvida pelo meu tutor, mas tudo foi em vão! Naquela forte tempestade, nem eu mesma conseguia ouvir os meus apelos. Meu tutor, que antes sempre me acolhera, agora estava longe e não podia mais me proteger. Em meu desespero, comecei a bater minhas asas, eu bati as minhas asas porque temia não ser ouvida, porque tinha medo da morte, porque era a minha única chance de sobrevivência, bati desesperadamente minhas asas porque não havia mais por quem esperar. Enfim, começo a voar, mas a busca solitária pela sobrevivência era apunhalar pelas costas aquele que sempre me protegeu, a tentativa de viver sozinha era trair e rejeitar os cuidados do meu tutor.
Recobro os meus sentidos, olho ao meu redor e não encontro o meu tutor, não vejo meu ninho e não reconheço aquele lugar. Olho ao meu redor e vejo árvores frondosas, uma grande diversidade de flores e frutos. Começo a voar novamente, e encontro lindas cachoeiras, belos pássaros com seus cantos igualmente belos, vejo o sol radiante e de noite a lua aconchegante, as estrelas, o barulho dos animais e os embalos das árvores gigantes.
Lá bem longe, reconheço a ilha onde eu morava, e vejo apenas um minúsculo amontoado de pedras. Todas as manhãs, eu que agora já não sou um pequeno pássaro, olho para a ilha de pedras e a saudade do meu tutor aperta o peito, mas não sinto vontade de voltar para a pequena ilha, mesmo sabendo que lá, existe alguém que me espera em algum abrigo no alto daquelas pedras. Hoje eu vejo o quanto era pequeno tudo aquilo que meu querido tutor me oferecia como recompensa pelo seu amor. A cada dia a ilha torna-se menor aos meus olhos e me sinto livre, pois a cada momento eu conheço algo diferente e encantador, a cada dia eu vôo ainda mais alto e conquisto mais um pedacinho do mundo. Se hoje existe algo além do que eu posso ver, amanhã este mistério será desvendado, pois amanhã voarei ainda mais alto. 

Um comentário:

  1. Gosto de como aos poucos você está tornando seu textos cada vez mais visuais, descrevendo paisagens e comportamentos.

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